para ler ouvindo Come in, Kaina, da trilha original de "A Vida Invisível":
https://www.youtube.com/watch?v=J8GTS3uDr6A
Sexta-feira, dia 02 de setembro de 2019. Já passava das 22 horas na cerimônia de abertura do Festival Ibero Americano de Cinema, o Cine Ceará, quando a atriz brasileira Fernanda Montenegro adentrou ao palco do Cine São Luís, sendo ovacionada! Emocionado e surpreso, o público recebeu Fernanda com palmas demoradas. A presença dela no evento, às vésperas de seu aniversário de 90 anos, não havia sido confirmada. Então, era aquele suspense... Sabíamos que Fernanda poderia aparecer no evento porque o filme que abriria o festival, "A Vida Invisível", do diretor cearense Karim Aïnouz, conta com sua participação. Mas não havia certeza...
Até que Fernanda Montenegro entrou pela lateral esquerda do palco que fica em frente à tela do Cine São Luís. Em seu discurso, optou por ler uma carta. Era uma carta cheia de afeto escrita pelo diretor Karim Aïnouz. E foi uma carta mesmo, e não um e-mail, conforme destacou Fernanda. As linhas de Karim falavam do roteiro de "A vida Invisível de Eurídice Gusmão", baseado no livro da escritora brasileira Martha Batalha, e no final, convidavam a atriz para interpretar a personagem"Eurídice Gusmão". Enquanto lia a carta, Fernanda Montenegro emocionou-se várias vezes. E eu, que estava na platéia, a poucos metros, deixei a emoção se transformar em lágrimas. Conheci Karim nos anos 90 como aluna de um de seus cursos livres na Casa Amarela e Dragão do Mar, e recordava o quanto o diretor é alguém doce e sensível, mas aquela carta não estava no script... Um texto rico em ternuras, poesia e amor. Amor pela vida, pelo cinema, pela literatura, pela militância feminista.
O que viria a seguir seria ainda mais impactante: a exibição de "A vida invisível".
O filme se passa no Rio de Janeiro dos anos 40. Eurídice Gusmão (Carol Duarte) e sua irmã, Guida (Júlia Stockler) , são filhas de uma dona de casa e de um português durão, seu Manoel, desses que dão ordens à esposa e filhos. As moças sofrem as conseqüências da vida em uma sociedade patriarcal. Um tempo em que as mulheres não tinham muitas escolhas. E até podiam ser obrigadas a casar com um homem escolhido, não por elas. Um tempo em que uma mulher divorciada não tinha mais valor. E se tivesse tido um filho da relação falida, pior ainda. As reflexões que Karim Aïnouz faz com "A Vida Invisível' são muitas e são profundas. Imagine uma mulher que sonhasse com uma carreira profissional. Isso era quase um sonho irrealizável.
O drama é de verdade em "A vida invisível". Porém, problemas para trás, o filme traz algo que continua forte e igual entre nós, humanos: a força do amor. Um amor que é demonstrado pelo laço entre Eurídice e sua irmã: profundo, e que não muda nem com o tempo ou distância.
Karim nos fala de vidas que passam pela vida vivendo muito pouco: trancafiadas pelas regras criadas pelos outros. O aclamado "A Vida Invisível" ganhou primeiro a mostra "Um certo olhar", em Cannes (2019), e depois seguiu arrebatando a crítica e o público nos mais diversos festivais do mundo, partindo do Cine Ceará de Fortaleza. Sendo a indicação ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, o motivo que o levou aos trending topics dos sites de busca no segundo semestre de 2019. Viva o cinema brasileiro! Viva Karim!
p.s.: Karim Aïnouz nasceu em Fortaleza, em 1966. O diretor de cinema e roteirista já dirigiu mais de 20 filmes de longa metragem. Com destaque para "Madame Satã", seu primeiro longa, tendo lançado o ator Lázaro Ramos. E depois, "O céu de Sueli" e "Praia do Futuro", os preferidos desta que vos fala. Além do último prêmio em Cannes, Aïnouz já foi condecorado em grandes festivais como Berlim, Havana e Rio de Janeiro.
