segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O perdão é uma oração

Diego Engenho Novo


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Texto de Diego Engenho Novo, Blog Palavra Crônica
Querida Lavínia,
Vejo você se abraçando à sua dor, porque sei que deixá-la ir é também deixar ir a memória do que já foi amor. Não há uma forma fácil de fazer isso. Apenas abra os braços. O perdão é uma oração que se repete continuamente. Pode não fazer sentido para a sua cabeça, mas sempre dirá algo para a sua alma.
Há um exercício que fiz durante anos com minha querida Ravena. Todos os dias, nós nos sentávamos frente à frente e nos olhávamos por alguns segundos em silêncio. Então eu começava a oração: “Peço perdão. Pelos maus pensamentos, se não te honrei quando poderia. Peço perdão pelas palavras, pelos gestos, por não ter tido paciência quando deveria. Peço perdão por alimentar a culpa, por acordar o ego, por provocar sua insegurança. Peço perdão por colocar minha posse à frente, por ser egoísta, por elevar sua ansiedade. Peço perdão e te ofereço perdão por hoje, por ontem e por todos os tempos que vieram antes de nós e que virão daqui pra frente”. Ela repetia e nos abraçávamos, pelo tempo que fosse.
Todos os dias. Imagina o que é isso? De alguma forma, esta oração nos salvou. Fez com que tivéssemos uma relação mais verdadeira, mais amorosa e mais doce. Não, não era fácil. Nos dias em que estávamos muito feridos, com raiva, era difícil sentar diante um do outro para exercitar o amor. Mas nós fazíamos, assim mesmo. No começo, meio que à contragosto, mas ao final, já dominados pelo choro.
Hoje faz dois anos que Ravena se foi e eu ainda oro baixinho, ainda peço perdão e a perdoo. Perdoar é reconhecer a sua humanidade refletida no outro. Abra os braços Lavínia, seu coração precisa de luz, de ar, como um casaco antigo de couro. Sabe qual a receita para se preservar o couro, Lavínia? Preserva-se o couro usando-o, muito e sempre. O perdão é uma oração diária, silenciosa e rara. É um presente que só a gente pode se dar.

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