Como é bom não ser mais uma menina. Como é bom contemplar a vida com olhos maduros. Como é bom saber o que é, e, principalmente, o que não é obrigação minha. Como é bom saber dizer não. Como é bom saber dizer não sem ofender. Como é bom ser livre para ser, inclusive, só ou acompanhada. Como é bom amar-me. Como é bom saber do meu valor. Como é bom não importar-me com possíveis rejeições. Como é bom ser tranquila para deixar ir o que não me pertence. Como é bom não confundir saudades com solidão. Como é bom ter a maturidade correspondente à minha idade, porque hoje em dia isso já é muita coisa. Como é bom viver intensamente, pra não se arrepender de não ter vivido o suficiente. Como é bom confiar nos meus instintos e pressentimentos. Como é bom apertar o botãozinho do foda-se. Como é bom poder pensar "que idiota!", sem precisar verbalizar isso. Como é bom conversar com Deus e saber que essa força me basta. Como é bom pegar uma bicicleta, um carro ou um ônibus e ir pra bem longe. Assim como é maravilhosamente bom ficar em casa e cuidar do gato e do jardim. Como é bom poder ir dormir as 7 da noite e acordar as 5 da manhã. Como é bom poder escolher a hora de alimentar-me ou de fazer exercícios. Como é bom abandonar projetos que não fazem mais sentido, afinal, a vida inteira, segurei firme para fazer a coisa certa. Como é bom escolher minha família, minha rede de apoio. Como é bom ser tudo aquilo que eu sempre tive vontade de ser. Como é bom ser jornalista, escritora, blogueira, pintora, ciclista, remadora, videomaker, cozinheira, amiga, filha, nadadora. E como é bom não ser nada do que não gosto: futebolista, jogadora de qualquer espécie de bola ou de cartas, notívaga, babona, superficial. Como é bom viver e aprender a viver todos os dias.
Inatual
quarta-feira, 26 de junho de 2024
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Sobre o filme O Marinheiro das Montanhas de Karim Aïnouz
Acabo de sair de uma segunda sessão de "O Marinheiro das Montanhas", em cartaz desde 21 de setembro último em todo o Brasil. Fui na estreia e precisei ir mais uma vez para contemplar a luz de Karim. Meus olhos estão vermelhos de choro de emoção.
No roteiro mais pessoal de toda a filmografia de Aïnouz, nos deparamos com uma história de amor: a dos pais do cineasta. E com o devir desse amor: Karim e sua obra cinematográfica. Uma mãe cearense e um pai argelino. Eles se encontram nos Estados Unidos. Só agora conhecemos Iracema, a cearense que viajou para o exterior para estudar algas marinhas, mas caiu na armadilha da paixão... E regressou ao Ceará com o fruto desse amor no ventre. Sozinha. O namorado não veio. Ele retorna à Argélia para lutar na guerra da independência. A dor de ser deixada é algo indizível. Mas ser deixada grávida, aí é preciso ser um herói para suportar. Fico imaginando a dor dessa mãe solteira, que esperou por seu amor argelino tantos anos. Recebeu cartas, cartões postais e fotografias, mas nunca, nunca, nunca uma visita, só promessas não cumpridas. Conhecemos ambos através de fotografias que entraram no roteiro de "Marinheiros". Dor também para esse filho, que só conhece o pai por fotografias. E cresce com essa falta. Me envergonho de ter sofrido por tão menos que isso. Minhas desilusões são pó diante da história de Iracema e do pequeno Karim, nome próprio que em Kabyle quer dizer "generoso".
E é de uma forma muito generosa mesmo, sutil, muito suave que Karim narra essa história em forma de carta: uma carta para sua mãe Iracema, escrita por ele enquanto visitava a Argélia pela primeira vez em sua vida, em 2019, antes da pandemia do corona vírus. Dona Iracema, então, não estava mais entre nós. Partiu no ano de 2015, deixando a semente de Argel no peito do cineasta. Não há tom de rancor na carta. Karim tem uma alma superior. Muito pelo contrário. Quando ele chega a Tagmut Azuz, na Cabília, região montanhosa e fria, vai ao encontro de possíveis parentes. E os olha profundamente nos olhos. Há uma sequencia belíssima de primeiríssimos primeiros planos de muitos Aïnouz: é preciso olhar esse outro nos olhos, e profundamente.
Quanta coragem deve ter sido necessária para revelar ao mundo esse drama familiar... Um drama que, por outro lado, forjou a ferro e a fogo a personalidade de um cineasta sensível que opta por transformar sua vida em belíssimos roteiros de cinema. Há coragem e alegria no lugar de dor.
Com um filme só matei minha dupla curiosidade sobre a Argélia: por causa de Karïm Ainouz e de Albert Camus, meu escritor favorito. E foi maravilhoso contemplar Argel e Cabília na película da Super 8, que eu havia visto pela última vez nas aulas sobre cinema da faculdade de comunicação. É uma cor linda a de Argel, uma cor dourada de sol, como a que Albert Camus sempre descreve, revelada com a película da Super 8. "É vintage que fala", declara decidido minha dupla da primeira vez que fui ver o Marinheiro, o menino Samuel, estudioso de cinema tão curioso quanto eu.
A equipe do filme também fiquei sabendo que foi reduzidíssima, contando apenas com um motorista, um tradutor e o próprio Karim operando a super 8 na Argélia. Um diretor de fotografia foi na sequência ao país incumbido de trazer belas imagens, e trouxe mesmo. Juntando com imagens de arquivo da guerra da independência da Argélia, deu um caldo de respeito.
Outros detalhes que fazem os filmes do Karim serem amados por nós cearenses é que sempre há conexões com Fortaleza nas narrativas. E confesso que ver nossa Fortaleza bela na telona do cinema é sempre um momento reconfortante, feliz, de aconchego.
Sei que amanhã vou lembrar de mais coisas... E talvez volte aqui para escrever. Mas por hoje está bom. Fiquemos, nos próximos dias, com as reflexões do Marinheiro e a alegria da trilha sonora vibrante como só as pistas de dança que o cineasta definitivamente nos proporciona em todos os seus filmes: de "Smalltown boy" de Bronski Beat a "Sweet Harmony" de The Beloved, saímos da sala com vontade de dançar para celebrar a vida, mesmo que ela seja dolorosamente imperfeita.
terça-feira, 22 de novembro de 2022
Recadinho aos seguidores do Blog Inatual
Queridos leitores e amigos,
Aqui com minha xícara de café com leite de aveia nas mãos, gostaria de informar aos mais atentos a este blog, que as postagens diminuíram e alguns textos foram retirados deste espaço.
A explicação é também uma boa notícia para vós e para mim mesma! Ando às voltas com a publicação do meu primeiro livro. Ele vai reunir os melhores textos, crônicas e fragmentos que pude selecionar. Então, se você sentiu falta de algum texto que você amou e ele não está mais aqui, já sabe: estarão melhorados e revisados no meu primeiro livro de literatura a ser lançado em breve!
Conto com as leituras de vocês e com a presença de cada um por ocasião do lançamento que avisarei por aqui também. Quero poder abraçá-los e ouvir de vocês mais ideias para os futuros escritos e documentários em audiovisual.
Obrigada pela audiência e pelo carinho. Vocês me motivaram a seguir em frente com este sonho!
Nos vemos em breve.
abraço fraterno,
Letícia Amaral
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
Um fim de semana em Belém do Pará
Acordou passada com o brilho daquele sol. Dourava a manhã inteira e pintava tudo com as cores dos peixes e dos açaís. Parecia a cidade mais bela do Brasil: Belém do Pará, e devia de ser.
Manhã de luz, de café continental para ser bem leve. Leve pra andar na avenida Carlos Gomes até o Mercado Ver o Peso e voltar. Trazendo consigo cachaça de cupuaçu, esculturas de barro do Marajó, Muiraquitã e peixe com açaí na barriga.
Agora estava tendo um "trabalhão". #só que não hahaha! Escolhia um lugar para almoçar o melhor peixe filhote com arroz de jambu.
A vida é boa, pensava e sorria.
quinta-feira, 29 de julho de 2021
Cometa Rebeca
Deus sabia que precisávamos de uma brisa leve...
Foi assim que por volta das dez da manhã uma menina de sorriso iluminado coloriu as nossas telinhas... Chegou como um passarinho, alegre e saltitante. Apresentou uma ginástica olímpica diferente, dessas que nunca se tinha visto... Rebeca Andrade, filha de Guarulhos, São Paulo, não parecia estar competindo. Não havia em seu rosto aquela expressão estressada das outras atletas. Claro que deve ter sido muito treino, muito trabalho. Mas não havia esse peso em sua resplandecente figura... Como se fosse dança, como se fosse fácil, a menina brasileira foi lá e voou, piruetou, sambou e sorriu... E fez todos os mortais necessários à nota enfadonha, todos os solos e aéreos estavam lá cobertos de azul, amarelo, verde e cor de jambo... Como se fosse um cometa, aquele momento passou pelo nosso céu em menos de 3 minutos... E nos deixou com a sensação de que a vida certamente vale a pena. A vida vale a pena até para as meninas que não nascem em berço de ouro. A vida vale a pena até para as meninas que lutam para sobreviver. E a vida vale totalmente a pena quando se decide que o impossível não existe.
Só Rebeca e sua família devem saber tudo o que passaram para perseverar num esporte olímpico em pleno Brasil. Quando uma menina brasileira sobe ao pódium sabemos que vale muitíssimo mais do que quando uma americana ou uma alemã alcançam o mesmo lugar. No Brasil, fazer um pouco ou fazer o básico já é muito, porque sabemos, nada é facilitado pra quem nasceu na humildade. A lição que Rebeca Andrade nos deixou hoje é uma lição dessas que a gente só sente no peito, nos olhos, no coração... Ela levou a prata!* Foi justo... Só de estar ali já valeu cada respiração. Tive vontade de chorar de alegria e de glória por algum tempo. Quis ficar ali sorrindo e vibrando aquela energiapositiva tão verdadeira do sorriso da Rebeca Andrade.
A página hoje escrita por esta atleta brasileira é de uma preciosidade gigante. Acho que todas as vezes que eu sentir tristeza nessa vida irei fechar os olhos e tentar me lembrar do solo da Rebeca... Um solo importante e disputado, mas cheio de leveza, beleza, brasilidade, alegria, gratidão, fé, confiança, jovialidade, feminilidade, cheio de Rebeca.
Vou ficar torcendo pra todas as meninas do Brasil terem a chance de assistir esse solo e sentirem a pulsação dessa alegria brasileira que a Rebeca nos apresentou... Vou ficar torcendo para que a força simbólica da vitória da Rebeca empodere as meninas negras e pobres do mundo inteiro. Viva Rebeca, viva o esporte que nos tira da zona de conforto, nos enche de saúde, vida, beleza. Obrigada, Rebeca Andrade!!!!
*nos dias que se seguiram a atleta também ganhou uma medalha de ouro.
terça-feira, 10 de novembro de 2020
Jericoacoara
Estrada já foi mais longa
De terra, de chão, de duna
Tem um deserto entre a cidade e a vila
Vila de Jericoacoara
De jipe, de carrinho baixo, de pau de arara
estrada de vento, de areia, de riso, de pula pula
não solta não
Que mais tarde de tem lua balão
e pé de estrela por todo lado
peixe e polvo
forró e funk
tem sono profudo e cochilo ligeiro
tem vontade de ficar pra sempre
e enquanto não dá
torta de banana com café as quatro e meia
pão quentinho na madrugada
vem comigo caminhando até a pedra furada
ou sobre o long board
reza uma ave maria em frente a igreja de pedra
desce pela malhada
e se benze na beira do atlântico
lembra do beijo na boca da noite
do abraço roubado
da noite não dormida
da manhã bem vivida
pargo no molho de caju
caipirosca de cajá
volto já
pra te ver
pra ficar
debaixo do pé de estrela
já já
quarta-feira, 4 de novembro de 2020
Para Júlia, com amor ou Eterno enquanto dure
por Isabel Teixeira, psicóloga cearense